Acerca da abundância, da fartura e da ganância
Apesar dos preços desgraçados da última Feira do Livro, a remessa de livros que veio comigo para casa foi ainda assim um bocado acima do que estava planeado: culpo o local conveniente onde realizam o certame e falta de coisas melhores para fazer do que andar a ver as estantes todas com um pormenor de irritar a paciência a Cristo.
Cristo que, já agora, é personagem principal (ainda que nunca presente em corpo) da maior tragédia financeira deste ano, um lindo volume do clássico russo Os Irmãos Karamázov. Embora Nosso Senhor não tenha culpa que eu tenha cedido ao pecado da ganância e da luxúria literária, é agora o principal protagonista de um livro que me está a surpreender pela sua densidade absolutamente atroz: está mais perto de ser um livro de filosofia do que um romance moral ao estilo de Crime e Castigo, por exemplo. Em comparação com este último, tem a desvantagem de que todas as personagens são feias, porcas e más de alguma maneira; não há li ninguém verdadeiramente puro e recomendável (Aliocha Karamázov, estou para ver o que vai ser da tua virtude e castidade que me parecem tão supostas!); uma coisa é certa, neste livro ninguém encontra um banana como o Príncipe Myshkin ou um idiota (que trocadilho magnífico) como Raskolnikov que sofre como uma cão pela redenção dos seus pecados.
Um livro que mistura deboche com teologia; amor fraternal e existencialismo. Para si Fyodor, com um abraço deste seu fã que ainda vai a meio do livro: