Acerca do Carvalho e do Bezerro
Na última Feira do Livro de Lisboa comprei um livro de Alexander Soljenítsin chamado O Carvalho e o Bezerro sem sequer me dar ao trabalho de investigar sobre o tema do livro ou de o abrir para ler algumas passagens. Tendo já lido Um Dia na Vida de Ivan Denisovich ou O Pavilhão dos Cancerosos tive de imediato a certeza de que seria algo para o meu gosto.
Assim, foi grande a surpresa quando percebi que não era um livro de ficção mas sim um livro de memórias fragmentadas sobre a vida literária na União Soviética: a repressão, as manobras difamatórias, as intrigas semi políticas, o escrever às escondidas, no fundo uma vida em sobressalto em que escrever era uma tarefa quase tão difícil como viver num gulag como Soljenitsin também viveu. É a história de alguém que escolheu viver de cabeça erguida e costas direitas, sacrificando para isso a própria vida familiar e recusando sempre o exílio por iniciativa própria até ser expulso em 1974. Curiosamente ou não, a luta de Soljenítsin pela liberdade de expressão está por demais afastada de grandes actos idealísticos, de grandes gestos ou de uma vitimização fácil; é uma luta contra as pequenas e grandes contrariedades e baixezas que se atravessaram no seu caminho, sem desarmar, sem transigir e sempre com um toque mordaz de vaidade e arrogância, perfeitamente inócua e insignificante (mas muito dignificante), contra o imenso poder opressivo da máquina do Estado Soviético.
Uma das histórias mais transversais em todo o livro é a forma como foi sendo pensado, escrito, escondido e reformulado o livro O Arquipélago Gulag sobre os campos de concentração nos tempos de Estaline e que, de uma forma no mínimo bizarra, não se encontrava em lado nenhum traduzido para português. Por isso é uma notícia espectacular que vá finalmente ser reeditado este ano a propósito do centenário da Revolução de Outubro. Já preparei 20€, andem lá com isso!