Na lógica de ler os clássicos que acompanha a minha vida de leitor (e porque "os clássicos são sempre actuais" e "se é um clássico alguma razão deve haver" e "sou demasiado preguiçoso para saber quem são os bons autores actuais") andei recentemente de volta de alguns autores que me deixaram enfastiado, deprimido ou pensativo. Enfim ninguém disse que isto da leitura era para meninos.
A depressão começou com Manhã Submersa de Vergílio Ferreira, um livro que me deixou a impressão de ser uma espécie de parente pobre de "Jane Eyre": a história de um miúdo arrancado ao conforto da vida familiar para ser internado num seminário, com todas as más experiências que estão mais ou menos explícitas, sob protecção de uma rica alma caridosa que se tenta salvar aos olhos de Deus. Questiono por vezes o efeito que têm as circunstâncias na leitura mas acho que o dia de chuva e a viagem de comboio em que o li também não ajudaram a que formasse uma opinião muito positiva. Tem a curiosidade de ser um romance levemente autobiográfico mas não me deixou vontade de ler "Aparição".
Não satisfeiro com esta abordagem aos clássicos portugueses, segui depois para A Queda Dum Anjo de Camilo Castelo Branco, um livro satírico com uma história interessante mas pouco original (pelo menos agora que li, talvez fosse original à época de publicação): quantas vezes se pode ouvir a história de um fidalgo corrompido pela ociosidade da vida citadina em contraste com a pureza da vida campestre? Neste caso a originalidade é que mesmo no campo as pessoas são fraquinhas e existe muita pequenez e inveja. Enfim, nesta onda acho que prefiro "A Cidade e as Serras" que é um livro maravilhoso com um estilo mais leve e menos arcaico.
Para terminar a minha digressão pelos clássicos, li O Estrangeiro de Albert Camus que acaba por ligar um pouco com o livro de Vergílio Ferreira pela pano de fundo existencialista transversal às duas obras: a procura de um sentido para a vida e a angústia existencial de vivermos num mundo que não é totalmente apreensível. O livro de Camus foi uma boa surpresa pela qualidade da escrita que não constitui um obstáculo à abordagem de conceitos mais abstractos; por outro lado, o facto da história se desenrolar no clima solarengo da Argélia, por entre praias, mergulhos e árabes, foram também uma agradável mudança de cenário face ao clima invernal do Seminário do Fundão.
Venham mais clássicos que eu cá estarei para aguentar.
Pois Sara eu percebo e claro que são actuais até porque os humanos não mudaram mas....não sei, deixa-me muito enfastiado aquele estilo.
Não conheço, só li de relance um resumo da história e parece-me interessante. Agora depois de ler "Os Capitães da Areia" quero ver se arranjo alguma coisa de história ou política para desenjoar um bocado :)
Sim, também achei o estilo um bocado difícil...Prefiro o Eça. Estou a gostar bastante do Norte e Sul - fala da industrialização [é de 1885] e de questões de classe e género [e tb é fofo *-*]. Os capitães é um livro político, e humano também claro...e é um grande livro. Primeiro Jorge Amado?
Sim, o Eça sempre, nem que el-rei me convidasse para tomar o chá no Paço!
Parece ser um pano de fundo interessante para abordar esses temas mas...fofo? Como assim? Desconheço a aplicação dessa palavra no âmbito literário xD
Sim, primeiro! Tenho lá uns poucos em casa (da minha mãe) então peguei no que me pareceu mais conhecido. Se ficar fã é muito bom, ganho logo uns 4/5 livros novos para ler.
Preferia ser convidada pela rainha xD Esse adjectivo aplica-se derivado de o livro ter duas personagens que deviam ficar juntas no fim...Eu amo o Jorge! Qualquer livro dele que ande por aí deve ser bom.
Então se deviam ter ficado juntas e não ficaram está-me a escapar mesmo a questão do "fofo", estou a ver que vou ter de ler xD Opa tenho uns 5/6 diferentes entre os quais "São Jorge dos Ilhéus", o "Mar Morto", "Farda, fardão, camisola de dormir" a "Tenda dos milagres" e mais alguns acho eu, depois tenho de ver melhor se for caso disso
Por acaso no que toca a clássicos não me chateio com isso: ninguém vai deixar de ler o Romeu e Julieta porque já sabe o fim...Ou coisas históricas. Não é spoiler se estiver na Wikipédia xD
Opa agora também não sei quando e se falámos mesmo disso mas... se fosse abordado na rua com a questão "Qual a opinião da Sara sobre o Rapaz Sem Cor?", eu ia responder sempre, mas sempre, "Péssima!" xD
Uma questão interessante e poucas vezes abordada xD
Não acho tipo a pior coisa, mas achei fraco por comparação a outros dele...Este e o 1Q84 não têm a mesma força dos livros anteriores, especialmente dos primeiros...E este novo que ele lançou parece seguir pelo mesmo caminho infelizmente. Não trazem nada de novo ao que já foi escrito. Murakami é tb um autor de histórias digamos fortemente masculinas o que para mim pessoalmente se torna cansativo. É a minha opinião totalmente honesta.
Bom eu não sou um conhecedor a fundo da obra mas gostei de quase tudo o que li até agora. O 1Q84 vou ter que ler nem que seja pela referência ao Orwell.
É interessante o que dizes sobre serem histórias masculinas, de facto é verdade, em todos os livros que li a personagem principal é um rapaz/homem. Mas não sei se é propositado, deve ser muito mais fácil escrever sobre as nossas próprias impressões e experiências do que imaginar como é ser uma mulher e contar uma história por essa perspectiva. Estava a tentar lembrar-me de livros em que a personagem principal é uma mulher e o escritor é um homem e de facto só me ocorre a Anna Karenina.
Repara: as mulheres nunca são seres completos, elas vão e vêm com propósitos misteriosos (será um detalhe tirado do kafka quem sabe...), mas todas querem comer o nosso zé ninguém. E às vezes até se enrolam umas com as outras. Eu percebo que seja mais fácil escrever sobre as nossas experiências (ou fantasias xD), embora às vezes ele ultrapasse a mera experiência ("Garotas comuns normalmente se preocupam muito mais em saber o que é bonito e como podem ser felizes do que com a questão de alguma coisa ser justa" - não sou nenhuma candidata ao prémio Nobel da literatura, mas acho que ele está errado). O 1Q84 é simplesmente excessivo. O Murakami também é um bom contista - recomendo ambos os volumes de contos. O Amado criou personagens femininas principais, o Henry James também. E o Maugham - embora este escorre para a misoginia em alguns livros.
Sim, tens razão no que dizes sobre as mulheres nos livros do Murakami, talvez apenas no Sputnik as moças sejam protagonistas mais ou menos em pé de igualdade com o personagem masculino. Essa frase é de que livro já agora? É obviamente uma frase sem grande sentido, a menos que substituas "garotas" por "pessoas de um modo geral".
Por acaso tinha todo um plano para começar a ler mais contos, depois de ter lido os do Tchekov, mas depois passou-me por alguma razão. Ver se resolvo isso quando vier a feira do Livro. Henry James nunca li, Jorge Amado estou agora a começar mas "Capitães da Areia" não sugere grandes personagens femininas; o Maugham só li "A Servidão Humana" e o personagem principal é masculino.
PS: "Comer o nosso zé ninguém" é uma expressão inexplicavelmente pouco usada em crítica literária e de facto resume bem essa relação homem/mulher dos livros do Murakami.
Jorge Amado: Teresa Batista cansada de guerra, dona flor e os seus dois maridos, a Gabriela....Maugham: o véu pintado e um outro que agr não me lembro o título. Emma Bovary e a Blimunda :)
A frase é do Norwegian Wood (tradução pt-br que foi o que se arranjou)
"Para início de conversa, garotas da minha idade nunca usam a palavra “justiça”. Garotas comuns são basicamente indiferentes quanto ao fato de as coisas serem ou não justas. Garotas comuns normalmente se preocupam muito mais em saber o que é bonito e como podem ser felizes do que com a questão de alguma coisa ser justa. “Justiça” é, sem dúvida, uma palavra de uso exclusivo masculino"
Ele tem assim uns vaipes...De qualquer modo desde o ano passado que tenho o projecto de ler mais autoras e tem sido muito bom - zés ninguém sortudos e outros afins têm de ir para o fim da lista.