Um dos melhores livros que li nas últimas semanas foi, de longe, a "Peregrinação do Rapaz Sem Cor" de Haruki Murakami. É notável que se tenha destacado tanto numa altura em que li uma sequência de livros muito interessantes como o "Arco do Triunfo" de Erich Maria Remarque, uma bela história com a Europa das vésperas da 2ª Guerra Mundial como pano de fundo, ou a épica viagem de Michael Palin, desde o Pólo Norte ao Pólo Sul, relatada em "De Pólo a Pólo".
O tema que me parece mais ou menos transversal a outros dos livros que já li de Murakami ("Sputnik Meu Amor", "A Sul da Fronteira, A Oeste do Sol") é o das dores de crescimento, da transição entre adolescência e idade adulta, da forma como o tempo cria distâncias inultrapassáveis e diferenças subtis mas incontornáveis entre pessoas que foram próximas num qualquer tempo passado.
A peregrinação aparece aqui como uma metáfora para um ajuste de contas com o passado; é a crónica da personagem principal colorless Tsukuru Tazaki na tentativa de perceber um estranho acontecimento na sua adolescência que marca de forma decisiva o adulto Tskuru. E é o desbloquear desse trauma de juventude que pode dar ao protagonista a chave para um futuro com um saudável horizonte de felicidade.
Altamente recomendado! Já agora, porque é que os títulos em inglês são mais engraçados? Lamentavelmente, sem-cor Tskuru Tazaki não fica tão giro numa capa...
Será que os outros precisavam realmente dele? Não ficariam melhor sem a sua presença? Se calhar, dizia com os seus botões, ainda não se deram conta disso; talvez seja apenas uma questão de tempo...
O Murakami captou-me em primeiro lugar pela qualidade da escrita porque na realidade nem gostei muito da história do Sputnik. Mas todos os livros que li a seguir adorei por completo, são maravilhosos.
Também tenho 0 1Q84 mais ou menos apontado há algum tempo mas sendo uma trilogia não queria começar a ler sem ter os três volumes. Então tenho adiado um bocado e vou comprando outros livros dele.
Acho que o próximo a ler vai ser o "Kafka à Beira Mar", já está aqui na mesa de cabeceira.
Também gostei do Kafka à beira-mar, mas confesso que estava demasiado encantada com o título e depois senti que soube a pouco. Mas é bom. Murakami consegue desencantar cada enredo, cada história mais louca... mas consegue fazer sentido, ou melhor, consegue transmitir-nos o seu sentido e quando dás por ti, estás lá. Senti isso com 1Q84... é tão bom! Sabes aquilo de não quereres parar de ler, mas olhas para o relógio e sabes que devias dormir, mas não resistes, tens de saber o que vem a seguir :)
Eu pessoalmente acho muito raro o facto de nos conseguirmos identificar com as angústias das personagens ainda que, no caso dos livros do Murakami, exista uma distância cultural tão grande entre Ocidente e Oriente. No fundo consegue captar a essência dos personagens, sejam elas portuguesas, japonesas ou indianas, de uma forma cristalina e clara como poucos outros escritores.
Quando digo estás lá, é quase como espectador mas dentro da história. És um voyeur: estás ali caladinho, em surdina, na esperança de que ninguém te veja. O teu principal intuito é seguir a personagem e ver onde vai e o que vai acontecer a seguir. O que tu queres, como leitor, é saber o que acontece a seguir. O que Murakami consegue, enquanto escritor, é envolver-te de tal forma que esqueces o resto.
Também é uma perspectiva interessante e senti isso especialmente neste livro do Rapaz sem Cor, também porque o personagem principal acabava por estar algo invísivel e camuflado no meio onde vivia. E de facto havia essa sensação de estarmos a acompanhar a história por dentro. Um encanto :)