Um dos melhores livros que li nas últimas semanas foi, de longe, a "Peregrinação do Rapaz Sem Cor" de Haruki Murakami. É notável que se tenha destacado tanto numa altura em que li uma sequência de livros muito interessantes como o "Arco do Triunfo" de Erich Maria Remarque, uma bela história com a Europa das vésperas da 2ª Guerra Mundial como pano de fundo, ou a épica viagem de Michael Palin, desde o Pólo Norte ao Pólo Sul, relatada em "De Pólo a Pólo".
O tema que me parece mais ou menos transversal a outros dos livros que já li de Murakami ("Sputnik Meu Amor", "A Sul da Fronteira, A Oeste do Sol") é o das dores de crescimento, da transição entre adolescência e idade adulta, da forma como o tempo cria distâncias inultrapassáveis e diferenças subtis mas incontornáveis entre pessoas que foram próximas num qualquer tempo passado.
A peregrinação aparece aqui como uma metáfora para um ajuste de contas com o passado; é a crónica da personagem principal colorless Tsukuru Tazaki na tentativa de perceber um estranho acontecimento na sua adolescência que marca de forma decisiva o adulto Tskuru. E é o desbloquear desse trauma de juventude que pode dar ao protagonista a chave para um futuro com um saudável horizonte de felicidade.
Altamente recomendado! Já agora, porque é que os títulos em inglês são mais engraçados? Lamentavelmente, sem-cor Tskuru Tazaki não fica tão giro numa capa...
Será que os outros precisavam realmente dele? Não ficariam melhor sem a sua presença? Se calhar, dizia com os seus botões, ainda não se deram conta disso; talvez seja apenas uma questão de tempo...
O primeiro livro que li dele foi o Sputnik e na altura, apesar de ter gostado muito da escrita, fiquei um bocado incomodado com o facto de a história ter ficado algo em aberto e meio estranha no fim; além disso não me identifiquei especialmente com nenhum dos personagens. Depois comecei a ver os filmes do David Lynch e percebi que histórias estranhas, algo bizarras e não conclusivas podem ser muito mais interessantes do que aquela fórmula clássica do princípio, meio e fim. Como tinha gostado do estilo, voltei a ler Murakami com o A Sul da Fronteira, A Oeste do Sol e aí é que fiquei realmente impressionado, talvez porque foi mais fácil identificar-me com as dores dos personagens, o tema do crescimento e de como esse processo é tudo menos simples e natural como às vezes parece. O Norwegian Wood ainda não li mas devo dizer que acho o título um óptimo presságio: é o nome da minha música preferida dos Beatles :)
O Sputnik também foi o primeiro que li. Gostei: achei doce e sensível de uma maneira estranha - no fim acho que ela passa para o outro lado. Quando as personagens não conseguem lidar com este mundo ou encontrar a sua identidade, elas às vezes passam para a outra realidade (chamemos assim). A interpretação fica a cargo de cada freguês...É melhor não esperar grandes explicações! O A Oeste também gostei - tão melancólico. E crítico: trabalhar muito, ganhar dinheiro e deixar o capitalismo satisfazer todas as necessidades xD Falei do Norwegian Wood porque aborda tb esse tema, mas na verdade dos que conheço recomendaria qualquer um.
A verdade é que não me agradando completamente, o Sputnik não me deixou indiferente o que é mais do que se pode dizer de muitos outros livros. E concordo contigo, a parte do conformismo perante a sociedade também é muito forte nos livros do Murakami e talvez o mundo paralelo para onde se foge seja ao contrário desse. Pelo menos as personagens parecem-me sempre pouco confortáveis consigo mesmo e com a cultura em que se inserem. Enfim, faz pensar e isso é bom :)
No Norwegian Wood, por exemplo, é a ideia é que devemos aprender a viver neste mundo por mais imperfeito que seja...É uma bela mensagem. Nem sempre o outro lado é muito bom: há um onde aparecem dois soldados que não querem ir à guerra (nem crescer, essas coisas...) e que por isso ficam para sempre a deambular na floresta...Tipo para a eternidade. Este mundo é péssimo, mas pelos é "real" e sempre se vão encontrando boas coisas nele.