Existe muito barulho, ruído até, com cada acção, tweet ou boca do Presidente Trump. Especialmente este debate infindável sobre a era do pós-verdade é especialmente maçador, irritante e inconsequente até porque não há pós-verdade: há verdade, há mentira, há jornais que escrevem verdades, há jornais que escrevem mentiras, há pessoas que acreditam no que está escrito nos jornais, há pessoas que têm sentido crítico para ler o que está escrito nos jornais e há pessoas que acham que seria tudo melhor sem jornais. Mas para lá dessa espuma dos dias, dos ataques e dos insultos, pareceu-me especialmente certeiro o único pedido que Barack Obama diz ter feito ao seu sucessor, confessado na entrevista ao programa "60 Minutes" da CBS.
É um pedido particularmente importante porque para lá das opções políticas, legítimas ou mais discutíveis, que um Presidente democraticamente eleito tem o direito de pôr em prática (e que podem ser revogadas pelo seu sucessor ou travadas no Congresso como Obama bem sabe), existem as instituições que são o garante de um Estado de direito democrático. Num sistema de separação de poderes o mais importante é que as instituições judiciais, como o Supremo Tribunal, ou legislativas, como o Congresso, mantenham uma aura de respeitabilidade ao olhos dos cidadãos. São essas instituições que se vão manter, é isso que tem que ser preservado a todo o custo, porque se a Democracia é aceitar as opções políticas legítimas dos cidadãos, também é um conjunto de formalismos e normas que, como diz Obama e muito bem, têm uma razão para existir.
Apesar do meu reencontro recente com os livros de Saramago a propósito de "O Ano da Morte de Ricardo Reis", ainda não me aventurei para os lados de "A Jangada de Pedra" e creio até que o meu próximo livro deste autor será mesmo "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" que está na lista para os tempos mais próximos. No entanto, e para pessoas que vivem com a cabeça sempre a pensar em viagens e com um fascínio pela aplicação prática do conhecimento científico, os livros de Júlio Verne são um tesouro de valor incalculável.
Desta feita, foi "A Jangada" que tem em inglês o menos críptico título "Eight Hundred Leagues on the Amazon" e que conta a história de uma familía que vive numa feitoria perto da fronteira do Brasil com o Peru e que desce o rio até Belém para o casamento da sua filha. Claro que pelo meio existe a revelação do segredo que atormenta a vida, de outra forma feliz, do patriarca da família. Assim, é em Manaus, na confluência do Rio Negro com o Rio Amazonas que se desenrola grande parte da acção.
É maravilhosa a forma como Júlio Verne descreve o modo de vida de diferentes personagens na selva amazónica, o fascínio militante com os avanços científicos que na época eram feitos naquela região e ainda a maneira como consegue meter criptografia ao barulho para salvar a pele do protagonista!
Uma das leituras mais interessantes do ano passado foi, sem dúvida, "Jane Eyre" de Charlotte Brontë. Na altura fiquei impressionado com o retrato profundo e intrincado do desenvolvimento do carácter de uma personagem, com a forma como são retratados os dilemas morais e como isso forma uma história sobre o poder da fidelidade a princípios e ideais. Assim, e tendo em conta a impossibilidade estatística de duas irmãs poderem escrever tão bem, nem quis ouvi falar do "Monte dos Vendavais" ou de Emily Brontë. De qualquer modo, e por 5€ na Feira do Livro, lá comprei este último e coloquei-o debaixo de uma pilha de livros para ler primeiro. Mais de 6 meses depois de o ter comprado, lá acabei por ler, primeiro com alguma desconfiança e por fim deslumbrado com a intensidade e qualidade da história. Depois de alguma leituras falhadas como "The Hitchhiker's Guide to the Galaxy" (Douglas Adams) ou "A Guerra do Fim do Mundo" (Mario Vargas Llosa) foi bom voltar a sentir aquela vontade de acabar um livro e não o largar até conseguir.
A parte mais interessante foi a forma como o carácter de todos os personagens reflectem, de alguma forma, a geografia inóspita, agreste e rugosa das montanhas do norte de Inglaterra. É impressionante como mesmo a criada Nelly Dean, de alguma forma mais maternal e simpática, tem também algumas palavras mais rudes (e merecidas que a senhora era uma santa a aturar aquela gente toda!) dirigidas a vários personagens do livro. Isso recordou-me as palavras da autora no prefácio:
A obra é rústica de fio a pavio. Bravia, áspera e nodosa como a raíz da urze.
O livro é uma história de paixões acesas, personalidades vincadas, vinganças maquiavélicas e comportamentos indecorosos. Assim de cabeça, não me lembro de uma única personagem que não tenha uma nódoa no carácter e talvez seja isso que torna o livro tão interessante porque tudo está perfeitamente fundamentado e nada é gratuito. Uma parte divertida foi ler no final algumas opiniões sobre a obra e perceber que existe uma enorme discussão em torno do carácter do personagem principal Heathcliff, se é ou não um herói romântico que se deixa levar pelas suas paixões sendo que isso tolda a sua boa conduta: na minha opinião, o tipo é intrinsicamente mau, não há ao longo do livro nada que aponte noutro sentido, nenhuma ponta de altruísmo ou compaixão, apenas uma sede diabólica de vingança que contamina todas as outras personagens. Ainda assim é um vilão muito bem escrito, um livro altamente recomendável!
Por recomendação de vários amigos li finalmente aquele que é supostamente um clássico da ficção científica, a trilogia de 5 livros "The Hitchhiker's Guide to the Galaxy", adaptação escrita de uma comédia radiofónica transmitida pela BBC nos anos 70. Ora neste pormenor reside um dos maiores problemas do livro (livro aqui refere-se aos cinco volumes): não existe uma continuidade lógica na história e nunca deixei de ter a sensação que estava perante a colagem de textos dispersos sem uma ligação decente entre si.
Com este início já se compreende que não foi uma leitura especialmente interessante ou que recomende a alguém. Na verdade é óbvio ao longo de todo o livro que não existia um plano à partida para contar uma história, isto é, foi desenvolvido à medida do sucesso que encontrou junto do público. Este facto torna-se particularmente evidente no desenvolvimento das personagens que basicamente não existe, nunca descolando dos bonecos-tipo que são apresentados no primeiro livro e que, nessa primeira apresentação, até parecem ter algum potencial. Nesse sentido, o primeiro volume até é um livro que classifico de relativamente interessante e que parece montar alguma estrutura para se construir uma saga a partir daí: com efeito não é isso que acontece e os restantes 4 volumes são apenas chatos e entediantes.
Outro problema reside na tentativa por demais evidente de ter graça: se em alguns momentos resulta em alguns episódios cheios de non-sense e bastante divertidos, na maior parte das vezes é apenas um redondo falhanço. Para piorar ainda mais as coisas, o recurso aos mesmo chavões é repetitivo e torna-se realmente aborrecido.
Gosto de ficção científica no sentido em que no fim das viagens mirabolantes, acaba por nos fazer regressar à Terra e pensar no papel que temos no nosso próprio micro-cosmos e no lugar ínfimo da Humanidade no Universo. Não é o que acontece com este livro repleto de engraçadismo (como diria Pacheco Pereira) e non-sense chato, chato, chato.
Por vezes fico na dúvida se ainda existe a América de Steinbeck e Springsteen. Ou se o Nobel de Dylan é apenas uma condecoração póstuma que homenageia uma obra que versa sobre algo que já não existe realmente.
Embora não me reveja no histerismo, paranóia e fundamentalismo em que por vezes me parece cair a discussão sobre discriminação, minorias e a obsessão do politicamente correcto, não quer dizer que não me interesse pelo tema do feminismo que, na minha visão, é apenas mais um combate (essencial) pela igualdade, entre outros que têm marcado a discussão pública nos tempos recentes, e ainda bem.
É mais fácil relacionarmo-nos com um tema se nos chegar por um qualquer meio que nos seja familiar. Neste caso em concreto, descobri agora que o ciclista colombiano Nairo Quintana tem tido uma acção directa e concreta em campanhas pela igualdade de género na sua terra natal, Boyacá, na Colômbia onde é bastante acirrada a cultura do machismo e onde 4 mulheres sofrem de violência por hora. Podem ler mais neste link.
Embora sempre o tenha tido por um ciclista de bom carácter (usou o prémio da primeira corrida que ganhou, ainda adolescente, para comprar uma máquina de lavar roupa para a mãe), foi algo surpreendente ver um vencedor da Volta a Itália, da Volta a Espanha e detentor de pódios da Volta a França, isto é, um dos melhores ciclistas do Mundo, envolvido tão a peito numa causa social deste género. Quem segue o desporto sabe que é tão fácil para um ciclista profissional, especialmente a este nível, fechar-se na sua bolha de treino, descanso, recuperação e competição e viver completamente à parte dos problemas reais da sociedade; especialmente num corredor como Quintana que passa a maior parte do ano na Europa onde estão as corridas onde ganha a vida e tem a responsabilidade de liderar uma das equipas mais importantes do pelotão.
Óptimo exemplo para todos os jovens que seguem o desporto e podem ter um ídolo que para lá de ser um ciclista fenomenal é uma pessoa para quem é totalmente óbvio e normal para um homem tomar conta das crianças e para quem é totalmente indiferente que a sua filha queira jogar à bola, ser ciclista ou qualquer outra coisa. Um exemplo enorme.
Nairo Quintana e a sua filha Mariana no pódio da Volta a França em bicicleta.
Numa altura em que os Red Hot Chili Peppers voltam em grande forma às digressões com o seu novo álbum The Getaway, recheado de grande músicas como a canção-título, "Dark Necessities" ou "Goodbye Angels", é interessante olhar um pouco para as origens do actual guitarrista Josh Klinghoffer. O talento é inegável mas por vezes ficava a irritante sensação de que a banda não confiava nele o suficiente, mantendo-o com um volume baixo tanto na guitarra como na voz.
Parece que com este novo álbum, Josh Klinghoffer passou a ser um membro de facto da banda e aumentaram o volume ao homem já sendo possível ouvir a sua guitarra frenética e os seus peculiares backing vocals que, num estilo diferente do John Frusciante, oferecem belíssimas versões dos clássicos dos Red Hot.
A colaboração entre Klinghoffer e Frusciante já vem de há longo tempo sendo que um dos momentos mais altos foi o projecto Ataxia que em duas semanas gerou o material necessário para dois álbuns, Automatic Writing (2004) e AW II (2007). O primeiro álbum em particular é uma pérola perdida do rock alternativo, a descair para o psicadélico, com uma trovoada de guitarras de um Frusciante completamente à solta e num grande momento de forma.
Consolemo-nos com "Dust", numa das 2 vezes que a banda actuou ao vivo, numa altura em que a carreira do Frusciante parece mais virada para as electrónicas (menos para as guitarras) e o Klinghoffer se tornou finalmente num guitarrista à altura dos Red Hot.
A leitura mais interessante dos últimos tempos foi de longe "A Servidão Humana" de Somerset Maugham. Mais uma vez se comprova a minha teoria de infalibilidade dos clássicos, raramente falha e os clássicos são o melhor guia de sempre para quando preciso de me reencontrar com os livros depois de algumas experiência literárias menos proveitosas.
Na realidade terminei o livro sem perceber bem qual é a "moral" da história se bem que a procura da felicidade seja um tema mais ou menos transversal na história de Philip Carey. Outro tema muito abordado é o da obsessão, quer por uma pessoa, quer por um ideal artístico mais ou menos inalcançável. É se calhar essa a marca da verdadeira Arte: ainda que não possamos captar toda a sua essência devido às limitações do nosso intelecto, deixa uma marca mais ou menos profunda à qual voltamos mais tarde.
A minha experiência com este livro fica intimamente relacionada com os sítios onde o li e que incluem mas não se limitam a uma sombra na praia da foz do Âncora, um parque de merendas no Santuário de Santa Luzia, um relvado em Vila Nova de Cerveira, à borda do rio Minho, com vista para Espanha ou uma esplanada na avenida principal de Viana do Castelo. Poucos livros li em sítios tão recomendáveis e por isso será sempre recordado com memórias muito requintadas!
Tem sido um período rico de leituras ou pelo menos com leituras bastante compensadoras. Um destaque claro para "A Servidão Humana" de Somerset Maugham, tanto pela escrita, como pela história e pelas memórias que me traz dos sítios onde o li. Mas enfim, antes de escrever sobre isso ainda preciso de perceber o que raio me prendeu naquele livro tendo em conta que a história está longe de me ser familiar e a empatia pelos personagens principais é cerca de zero.
Um dos temas que estava mais afastado nos últimos tempos era a política; deixei "Rough Riders" do Teddy Roosevelt a meio porque sinceramente não me estava a interessar nada apesar de ter imensa curiosidade pela personagem do Roosevelt desde que li "Império" do Gore Vidal. Penso que para a próxima vou tentar uma biografia em vez de livros escritos pelo próprio.
Assim, comprei o meu primeiro livro na Amazon: se nunca experimentaram não o façam, abre-se uma caixa de Pandora para tudo aquilo que sempre quisémos ler mas nunca encontrámos numa livraria! Deixa-me cá ver do "Arquipélago Gulag"... Comprei "The Revenge Of Geography" de Robert Kaplan, um jornalista americano que escreve este livro sobre a forma como a geografia e o desenho das fronteiras acabam por ter um papel determinante (se bem que não determinista) nos conflitos armados que sucederam no passado e que podem vir a suceder no futuro. Um livro de geopolítica sempre do ponto de vista americano mas muito interessante.
Ainda estou no início da leitura mas achei interessante uma citação que define a Europa da forma como a tenho visto e sentido nas viagens que pude fazer até hoje pelo coração do continente.
Central Europe, Mitteleuropa, was more of an idea than a fact of geography. It constituted a declaration of memory: that of an intense, deliciously cluttered, and romantic European civilization, suggestive of cobblestone streets and gabled roofs, of rich wine, Viennese cafés, and classical music, of a gentle, humanist tradition infused with edgy and disturbing modernist art and thought.
Pessoa pacata que sou, tendo a desconfiar de estilos agressivos como death metal, black metal e outras coisas que tais. Parece-me muito barulho, saltos e gritos para nada. Tudo isto me passou quando travei conhecimento com o suave colectivo norueguês que dá pelo nome de Opeth. Comecei com alguma batota, pelos temas mais suaves e instrumentais como "Harvest" ou "Hope Leaves".
O ponto que me espanta sempre mais é a calma, fleuma e veia humorística do vocalista Mikael Åkerfeldt. O tipo passa as músicas a berrar de forma espectacular e depois pelo meio fica extremamente calmo a contar anedotas. Essa tranquilidade passa muito para o público que está por ali e, no máximo, abana a cabeça sem se mexer muito mais. É impressionante mas fui ver Opeth sem ser pisado, empurrado ou alguém se ter metido à minha frente. Nunca me aconteceu no Rock In Rio ou no Alive por exemplo. Bom, termina-se isto com "Bleak" a minha música preferida, do meu álbum preferido "Blackwater Park".