Acerca dos Irmãos Karamázov
No fim de um livro como Os Irmãos Karamázov sinto-me sempre como aquelas anacondas que abocanharam uma gazela de 300kg e agora estão ali meio abananadas durante uns tempos até conseguirem fazer a digestão.
Na realidade foi o livro mais difícil de todos os que li de Dostoievski tendo em conta a sua enorme densidade e complexidade dos raciocínios expostos sobre temas essenciais como a Fé e a forma como pode ser reconciliada com um mundo onde a existência do Mal é evidente. É esta dicotomia que gera uma das mais interessantes passagens do livro: o capítulo do Grande Inquisidor onde é posta em causa a liberdade e o livre-arbítrio como causas fundamentais da infelicidade e da miséria humana. A Deus reencarnado é explicado que a Igreja tem corrigido esse defeito do Criador fazendo as escolhas pelo Homem; o final deste episódio é ambíguo e inconclusivo adensando de alguma forma a angst que domina o seu narrador, o irmão do meio, Ivan Karamázov.
De um modo geral, as personagens não sofrem evoluções drásticas ou alterações profundas do seu carácter como acontece, por exemplo, com a redenção de Raskólnikov em Crime e Castigo; com efeito, é um livro com pouca acção e poucos acontecimentos, quase como uma peça de teatro repleta de longos diálogos. Este traço é particularmente evidente no irmão mais novo, Aliócha (um noviço num mosteiro) que assiste, impávido e inalterado à morte e enxovalhamento do seu tutor e guia espiritual, à crise existencial do seu irmão Ivan e à morte do seu pai de forma brutal e violenta: nada parece fazê-lo questionar as suas crenças mais profundas; será esta a virtude da sua educação religiosa e de amor pelos homens?
É um estudo aprofundado e estarrecedor da psicologia dos personagens. Personagens barulhentas, desprezíveis, contraditórias, fragéis e brutais ao mesmo tempo. Talvez seja essa a maior riqueza deste livro a par dos episódios de índole existencialista ou religiosa.
Os Irmãos Karamázov e o seu pai.