Talvez seja uma desilusão para as mentes mais práticas mas este post não tem o objectivo de constituir um guia prático para organização de eventos. É apenas um título razoavelmente idiota para evocar um belo poema de Mário de Sá-Carneiro. Sendo eu pouco dado à leitura de poesia, ouvi pela primeira vez estes versos na música dos Resistência e que recomendo vivamente. E fica a ideia: ir de burrico para a cova é capaz de ser mais engraçado, deve dar um colorido especial a uma ocasião que é aborrecida por natureza.
Quando eu morrer batam em latas, Rompam aos saltos e aos pinotes, Façam estalar no ar chicotes, Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro Ajaezado à andaluza… A um morto nada se recusa, Eu quero por força ir de burro.
Associo muitas vezes a imagem de Bob Dylan a um poeta irascível e ácido, cujas músicas servem de veículo a uma mensagem política, um cabide para as imagens e ideias do autor. No entanto, um dos discos que mais me agrada é o "Blood on the Tracks" onde se incluem duas músicas que contrariam essa sensação e, de algum modo, humanizam aos meus olhos o profeta meio eremita que é Bob Dylan: Shelter From The Storm e, principalmente, If You See Her Say Hello. É uma música de desencontro e esperança na redenção especialmente bem escrita; vale a pena ler o poema ainda que não se goste da música.
I see a lot of people as I make the rounds And I hear her name here and there as I go from town to town And I've never gotten used to it I've just learned to turn it off Either I'm too sensitive or else I'm getting soft.
De uma maneira geral, a música muito calma e crua tende a afastar-me porque me soa aborrecida. Isto vai ao ponto de haver uma categoria de artistas contra os quais tenho um preconceito à partida, que me irritam solenemente e que gosto de definir como "gajos-com-um-chapéu-foleiro-e-só-com-uma-guitarra-na-mão". É uma alergia que vai ao ponto de não conseguir por exemplo ouvir a maior parte das coisas que o Eddie Vedder canta a solo (apesar de ser o vocalista de uma das minhas bandas preferidas) salvando-se apenas a inevitável banda sonora de "Into The Wild".
Ainda assim, existem honrosas excepções como esta música dos The Cinematic Orchestra com uma letra bastante rica em imagens sobre o crescimento, a vida e tudo o que se mete pelo meio. É muito melhor do que aquilo que eu consigo descrever: ide, procurai e espalhai a palavra!
Loucura? — Mas afinal o que vem a ser a loucura?… Um enigma… Por isso mesmo é que às pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos… Que a loucura, no fundo, é como tantas outras, uma questão de maioria. A vida é uma convenção: isto é vermelho, aquilo é branco, unicamente porque se determinou chamar à cor disto vermelho e à cor daquilo branco. A maior parte dos homens adoptou um sistema determinado de convenções: é a gente de juízo… O meu amigo não pensava como toda a gente… Eu não o compreendia: chamava-lhe doido… Eis tudo.
Há alguns dias falei aqui de uma música dos Arctic Monkeys onde se faz a apologia do aspirador como objecto metafórico utilizado para discorrer sobre as agruras do amor; agora, e numa filosofia radicalmente oposta, trago à liça uma música dos Sigur Rós chamada Popplagið que, aparentemente, é a expressão islandesa para "The Pop Song". Excepto para os leitores que me seguem desde a terra do gelo e do fogo e que se entendem com islandês (eu por mim ainda estou a tentar articular as 39 sílabas necessárias para pronunciar o nome daquele vulcão que deixou as linhas aéreas num caos), fica a possibilidade de se ouvir uma música sem perceber rigorosamente nada. Espaço apenas para as sensações que possam ser transmitidas por aqueles estranhos sons. Imaginem que são japoneses e estão a ouvir a Amália Rodrigues, deve ser quase a mesma coisa.
E para finalizar esta série de recortes do livro "A Viagem dos Inocentes", fica um conjunto de excertos que, nos dias de hoje, implicariam a crucificação imediata de Mark Twain na praça pública tendo em conta que fogem ligeiramente ao politicamente correcto. Comecemos então com algumas observações sobre as singulares atracções das grandes cidades europeias.
Se querem ver toda uma gama de deficientes sortidos, há que ir a Napóles ou viajar pelos Estados Romanos. Mas se quiserem mesmo ver uma autêntica colmeia, quer de estropiados quer de monstros humanos, então vão directamente a Constantinopla. (...) Os deficientes europeus são uma ilusão e uma fraude. Os verdadeiros talentos brotam apenas nas vielas de Pera e Istambul.
Noutro âmbito, mais anotações simpáticas sobre os povos estrangeiros e o aperfeiçoamento da pessoa humana.
A moralidade dos gregos, turcos e arménios consiste apenas em ir regularmente à igreja nos dias santos e em quebrar todos os dez mandamentos ao longo da semana. A mentira e a aldrabice são coisas que lhes vêm naturalmente, e que depois vão trabalhando até atingirem a perfeição.
Sobre o que fazer em face do perigo (claramente numa fase pré-Chuck Norris da cultura americana).
- Beduínos!
O meu primeiro impulso foi o de correr para a frente e aniquilar os beduínos. O segundo foi correr para trás para ver se havia alguns daquele lado. Segui o segundo impulso.
O autor impressionado com a eficácia da missão cristã de conversão dos povos bárbaros ao Espírito Santo.
Fez o que pôde [a Igreja] para os convencer a amá-Lo e a adorá-Lo; primeiro, torcendo-lhes os polegares nas articulações com uma turquês; depois, beliscando-lhes a pele com tenazes - tenazes em brasa, que são as mais confortáveis no tempo frio; depois, esfolando-os vivos um bocadinho e, finalmente, grelhando-os em público. Conseguiam sempre persuadir os bárbaros. A verdadeira religião, quando bem ministrada, como o fazia a Madre Igreja, traz um imenso consolo.
Para terminar, Mark Twain como profeta das realidades geopolíticas do século XXI.
A Grécia é um deserto lúgubre, de cenho cerrado, e, aparentemente, sem agricultura, indústria ou comércio. É um mistério como sobrevive o seu povo miserável, ou o seu governo.
Para quem está mais desligado das lides velocipédicas, o cyclocross é uma variante do ciclismo para a época de Inverno que abunda nos países do centro da Europa, em especial a Bélgica e a Holanda. Tradicionalmente, deslocam-se famílias completas até aos circuitos, mesmo debaixo das piores condições meteorológicas do Norte da Europa, para incentivar os seus ídolos. Sim, ídolos! Na Bélgica um ciclista profissional está ao nível de qualquer futebolista do Benfica em Portugal ou do Real Madrid em Espanha. Quanto aos circuitos, esses podem passar pelas florestas das Ardenas, as aldeias mineiras do Norte de França, as históricas praias da Normandia ou até por segmentos do circuito de F1 de Spa. A única coisa em comum, para lá dos milhares de fãs à beira das "estradas" com um copo de cerveja na mão, é a lama. Muita lama, água, gelo, areia, para lá de outros obstáculos artificiais como escadas, troncos e tudo mais que possa servir para testar a técnica, bravura, explosividade e inteligência dos ciclistas.
Este post vem algo a despropósito no sentido em que a época está a terminar e as estrelas se estão a preparar para entrar em graus diferentes de hibernação até ao próximo Outono; no entanto, o final de Janeiro é marcado pelos Campeonatos do Mundo. Para lá da derrota da crónica campeã Marianne Vos nas elites femininas, o facto que merece maior destaque é a idade dos corredores que compõem o pódio dos elites masculinos: o "veterano" Lars Van der Haar (23 anos) em terceiro, o belga Wout Van Aert (20 anos) em segundo e o holandês Mathieu Van der Poel (20 anos) no lugar mais alto. O próprio vencedor da corrida de sub 23 é mais velho que os dois mais fortes corredores deste ano!
Van Aert a caminho da prata.
Apesar de tão provectas idades, o resultado não é surpreendente na medida em que reflecte aquilo que se passou durante a temporada com o embate constante entre os dois corredores nas corridas mais importantes. Entre a técnica elegante de Van der Poel e a força bruta de Van Aert pode estar o futuro do cyclocross na próxima década, com muito poucos corredores a conseguirem colocar-se por meio destes dois talentos. Seria interessante vê-los a fazer a transição para a estrada onde é sempre difícil perceber onde encaixar estes ciclistas: a técnica está lá mas o motor por vezes falha porque são corredores formatados para corridas de uma hora com intensidade máxima, bem diferente das provas típicas de estrada, talhadas para testar a endurance. Talvez as clássicas este ano possam dar mais pistas com os resultados dos ex-campeões do Mundo de cyclocross Lars Boom e Zdenek Stybar...
Van der Poel com a camisa arco-íris de Campeão do Mundo.
Nunca fui um grande fã de Arctic Monkeys mas a verdade é que o já-não-tão-novo álbum AM tem um conjunto de músicas que me agrada bastante como "Do I Wanna Know?", "R U Mine", "Snap Out Of It" e, por estes dias, "I Wanna Be Yours". Apesar de apreciar bastante a música, e de um modo geral as minhas bandas preferidas serem todas anglófonas, não deixo de pensar no que seria dito de uma banda portuguesa que tivesse uma música com os bonitos versos Eu quero ser o teu aspirador / Respirar a tua poeira; certamente não seria cabeça de cartaz num festival como o Alive...