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Zanadu!

Crónicas de Timbuktu, Trevim e Lisboa (nos melhores dias)

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Crónicas de Timbuktu, Trevim e Lisboa (nos melhores dias)

Acerca das viagens de Twain: Mitos caídos IV (Os banhos turcos de Constantinopla)

por Tiago, em 27.01.15

Tal como frequentar uma barbearia de Paris, Mark Twain tinha o sonho de poder usufruir de um banho turco em Constantinopla; tal como em Paris, as expectativas de Twain sairiam defraudadas em toda a linha. De uma experiência cuja descrição preenche páginas em "A Viagem dos Inocentes", ficam as impressões finais do autor.

É uma odiosa aldrabice. Quem quer que goste de tal coisa deve gostar das coisas mais repugnantes à vista e aos sentidos, e quem quer que lhe descubra um encanto poético, com certeza se deleitará com todas as coisas aborrecidas, tristes, desgraçadas e nojentas deste mundo.

Acerca da (possível) falibilidade do imperativo racional

por Tiago, em 24.01.15

Na sociedade ocidental, cada vez mais secularizada, a fé na ciência substituiu para muitas pessoas a prática religiosa e empurrou as questões místicas do oculto para um papel largamente marginal na vida do comum dos cidadãos. Começou assim uma procura incessante e obsessiva por uma base racional para todos os aspectos da vida.

Lembrei-me disto a propósito do filme "Magia ao Luar" que, sem ser um filme vintage de Woody Allen, é ainda assim superior a 95% de todos os filmes que estreiam por estes dias. Conta a história de um mágico que faz do desmascarar de videntes e afins o seu hobby, até ao dia em que é finalmente enganado olimpicamente e passa a acreditar no oculto; mais do que isso, é surpreendido com a genuína felicidade que a impossibilidade de explicar o Mundo exclusivamente pela razão lhe traz.

O filme despertou uma questão que por vezes me coloco, especialmente nas alturas em que não tenho muito com que me ocupar como é manifestamente o caso: ao encararmos a vida num prisma estrita ou tendencialmente racional não estaremos a fechar a porta às ambiguidades e subtilezas que, por hipótese, constituem a verdadeira felicidade?

Acerca das viagens de Twain: Mitos caídos III (As gôndolas de Veneza)

por Tiago, em 21.01.15

Em mais um capítulo da série que pode ser definida como "Coisas que fizeram Mark Twain ficar sobejamente desiludido com o Velho Mundo", é impossível deixar de mencionar Veneza. Além de notar que perdera a glória de outrora, sendo agora uma cidade miserável e abandonada, esquecida do mundo, o maior balde de água fria foram mesmo a famosas gôndolas.

Esta era a famosa gôndola e este o deslumbrante gondoleiro: a primeira, uma velha canoa mal pintada, ferrugenta, com um forro de esquife amarrado a meia-nau, e o segundo um vagabundo andrajoso e descalço a mostrar uma parte da roupa interior que se deveria defender do escrutínio público a qualquer custo.

No entanto e como escritor de grande sensibilidade e benevolência, Mark Twain não deixa de ver as coisas por um prisma mais optimista e positivo.

Não se vê terra seca em lado nenhum, nem passeios dignos de menção; se quisermos ir à igreja, ao teatro, ou a um restaurante, temos de chamar uma gôndola. Deve ser o paraíso dos inválidos, já que realmente as pernas não nos servem de nada aqui.

Acerca do encantador Svejk

por Tiago, em 18.01.15

Um livro que conheci pela primeira vez aquando da reedição feita pela Tinta da China em 2012, no âmbito de uma colecção de literatura de humor coordenada pelo Ricardo Araújo Pereira. Desde então tenho tentado encontrar este livro a um preço razoável o que aconteceu finalmente no final do ano passado, passe a redundância. Abençoadas sejam as bancas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa!

O Valente Soldado Chveik (título da edição Europa-América) conta a história de um soldado checo que por alturas da 1ª Grande Guerra Mundial, usa de toda a lábia, dissimulação, perfídia, jogos e manipulações para se escapar à mobilização e, em última análise, navegar por entre o desmoronar do Império Austro-Húngaro. Nos primeiros capítulos fica um pouco no ar a típica interrogação "Este gajo é mesmo parvo ou faz-se?"; o desenrolar da história permite perceber que se trata de um tipo esperto e que habilmente consegue manipular a gigantesca máquina burocrática do exército, esquivando-se de uma morte certa na linha da frente enquanto mantém um estilo de vida aprazível, bem regado e condizente com a sua (suposta) estupidez intrínseca.

Num romance de menos de 200 páginas, Svejk é preso várias vezes, declarado clinicamente idiota por uma junta médica, passa férias num sanatório e é aproveitado para impedido do capelão do exército que o perde às cartas para um coronel a quem serve de ordenança. Um festival de situações caricatas que acabam por pôr em evidência a futilidade de guerra despoletada por dois sistemas de alianças rígidas e sem grande fundamento político ou territorial de base.

Mais tarde, sempre que Chveik relatava a vida que se leva no asilo de alienados, fazia-o em termos muito elogiosos.,

«De verdade, nunca compreenderei a razão por que os doidos se zangam por estar tão bem instalados. É uma casa onde se pode passear todo nu, uivar como um chacal, ser furioso à vontade e morder até fartar e em tudo o que se quiser. (...) Há lá dentro uma liberdade que os socialistas nunca ousariam sonhar nada de mais belo. (...) É como lhes digo: está-se ali muito bem, e os poucos dias que passei no asilo de doidos foram os mais belos da minha vida.

 

Acerca da estanquidade das minhas vistas

por Tiago, em 11.01.15

E eu que não sabia que havia rock espanhol com esta qualidade! Uma pesquisa rápida indica que por exemplo o álbum "Senderos de Traición" foi produzido por Phil Manzanera, guitarrista dos Roxy Music, o que por si só diz alguma coisa sobre a relevância desta banda. Além desta "El Estanque" recomendo vivamente "Entre dos Tierras", "Heroe de Leyenda" ou "Maldito Duende". Um abraço para os meus amigos espanhóis!

Acerca das viagens de Twain: Mitos caídos - parte II (Os guias)

por Tiago, em 08.01.15

Chegados a Paris, os Peregrinos viram-se na necessidade de contratar um guia. Um processo de selecção complicado, desgastante e baseado em critérios dúbios.

Um deles era tão parecido com um pirata que o deixámos partir imediatamente.O segundo falava com uma pronúncia tão afectada que chegava a ser irritante (...) O terceiro conquistou-nos. (...) Este homem - que era afinal o nosso lacaio e servo - não deixava de ser um um cavalheiro.

Tudo parecia bem encaminhado até ao momento em que perguntam ao homem o seu nome.

Billfinger! Oh deixem-me morrer na minha pátria! (...) o nome atroz também me arranhou os ouvidos. (...) Quase que lamentei termo-lo contratado, com um nome tão insuportável.

Chamemos-lhe Ferguson - disse Dan. (...) Sem mais discussão, livrámo-nos do Billfinger, enquanto tal, e passámos a chamar-lhe Ferguson.

Ultrapassada a questão central da nomenclatura, rapidamente as coisas começaram a dar para o torto e os viajantes perceberam que tinham ali um farsante de primeira ordem que os tinha enganado com um "discurso de abertura (...) perfeito".

(...) estava sempre com fome, sempre com sede (...) Estava sempre a querer que comprássemos coisas (...) O biltre traiçoeiro! (...) patife consumado.

E foi assim a experiência de Mark Twain com os guias turísticos de Paris. Uma experiência enriquecedora e que o motivou a prometer desde logo um regresso.

Hei-de visitar Paris outra vez, e então os guias que se cuidem! Irei com as minhas pinturas de guerra... levo o meu machado à mão.

Também em Milão e Génova o guia foi uma peça essencial na visita dos Peregrinos. As suas qualidades de poliglota estiveram sempre presentes, permitindo uma experiência cultural profunda aos viajantes americanos.

Foi o guia que nos contou, e não me parece que ele se aventurasse à tarefa arriscada de contar uma mentira, quando nem sequer consegue dizer uma verdade em inglês sem deslocar o maxilar.

Os guias sabem o suficiente da língua estrangeira para misturarem tudo de modo a que a gente não perceba patavina de nada.

Mas como em todas as boas histórias, o nosso herói teria um momento de redenção em que todas as agruras e mágoas da viagem seriam recompensadas com o avistamento de algo sublime, belo e de molde a aquecer qualquer coração empedernido. Tudo se passou na subida ao Vesúvio, vulcão sobranceiro à cidade de Nápoles, permitindo a contemplação de um "belo panorama de um ponto alto da montanha".

Foi então que o tipo que ia agarrado à cauda do cavalo à minha frente, infligindo ao animal toda uma panóplia de crueldades, levou um coice que o atirou a várias jardas dali, sendo que este acidente (...) me dispôs muito serena e alegremente, e senti-me muito satisfeito por fazer a caminhada do Vesúvio.

p313

Acerca das viagens de Twain: Mitos caídos - parte I (As barbearias de Paris)

por Tiago, em 06.01.15

Principia aqui uma nova sub-rubrica com a qual todos os viajantes se poderão identificar: chegar a um sítio com altas expectativas e nada corresponder à ideia que tínhamos projectado com base em pesquisas prévias. O mesmo aconteceu com Mark Twain durante a sua Cruzada até à Terra Santa.

Entre as peripécias com o guia turístico, que acabaram por marcar a estadia em Paris, Mark Twain pôde enfim concretizar um sonho de criança.

Desde pequenino que eu tinha a magnífica fantasia de um dia me fazerem a barba numa barbearia palaciana de Paris. Queria poder estender-me ao comprido numa poltrona para inválidos com quadros e mobiliário sumptuoso à volta; com frescos nas paredes (...) com perfumes da Arábia a inebriarem-me os sentidos (...) Ao fim de uma hora despertaria a contragosto e contemplaria a minha carinha suave e macia como a de um bebé. Quando me fosse embora, imporia as mãos sobre a cabeça do barbeiro, dizendo: «Deus te abençoe, meu filho!»

Apesar de desconhecer os usos e costumes do século XIX no que ao corte de pilosidades diz respeito, diria que se calhar eram expectativas um tudo-nada elevadas. O mundo de Mark Twain começa a desmoronar assim que entra na "barbearia palaciana".

Levaram-nos então para uma salinha das traseiras, exígua e pardacenta; arranjaram duas cadeiras de escritório e sentaram-nos nelas com os casacos vestidos.

Estava então o circo montado e tudo pronto para que "um dos vilões das perucas" (a.k.a. barbeiro) iniciasse a nobre cerimónia do fazer da barba de um distinto cavalheiro americano.

...ensaboou-me a cara (...) e, como toque final, emplastrou-me uma massa de espuma dentro da boca. Cuspi aquela coisa nojenta com um grande palavrão em inglês. (...) Depois o criminoso amolou a faca na bota (...) O primeiro golpe da lâmina descascou-me a pele da cara e fez-me levantar da cadeira. (...) Diga-se apenas que me sujeitei ao cruel sacrifício de deixar um barbeiro francês fazer-me a barba, com lágrimas de tremenda agonia a correrem-me pelas faces (...) E então o aprendiz de assassino levou uma bacia de água abaixo do meu queixo e salpicou o que estava lá dentro pela minha cara (...) sob o falso pretexto de lavar o sabão e o sangue. (...) preparava-se para me pentear quando pedi para sair. Disse-lhe, com assaz ironia, que já me bastava ter sido esfolado e não deixava que me tirassem o escalpe.

Apesar de desgostado com a decoração da barbearia palaciana, Mark Twain terá ficado sensibilizado com o apurado trabalho do barbeiro, planeando já umas visitas ao domicílio para que pudesse ter a barba feita na sua própria casa.

Um dia um barbeiro parisiense virá esfolar-me ao quarto, e nunca mais ninguém ouvirá falar dele.

 

Acerca das viagens de Twain: Marselha

por Tiago, em 04.01.15

Ultrapassados os Açores e Gibraltar, os Peregrinos entram finalmente no Mediterrâneo e aportam em Marselha onde têm um primeiro e muito aguardado contacto com a cultura francesa. Daqui partiam de comboio para Paris onde visitariam a grande Exposição Universal de 1867, durante o reinado do imperador Napoleão III.

Esta gente de Marselha faz hinos de Marselha, e casacos de Marselha, e sabão de Marselha para o mundo inteiro; mas nunca cantam os seus hinos, nem vestem os seus casacos, nem se lavam com o mais pequeno sabonete.

http://blog.carmensteffens.com/wp-content/uploads/2013/02/vieux-port-marseille-france1-3.jpg

 

Acerca da genética do fado

por Tiago, em 02.01.15

Cada vez mais me convenço que existe em cada português algo que o atrai inevitavelmente ao fado. É um fenómeno que provavelmente se pode explicar pelo condicionamento que sofremos desde pequeninos, especialmente agora que o fado está definitivamente na moda, com a música a passar nas televisões bastante amiúde.
Mas a um nível mais inconsciente, há algo no fado que me deixa especialmente triste, nostálgico e com saudades de um Portugal, ali de meados do século XX, que provavelmente nunca existiu senão na minha cabeça; a Lisboa dos filmes do Vasco Santana é se calhar a melhor aproximação existente.
Não se pense com toda esta conversa que sou um grande apreciador do género; dizia alguém que sendo uma música tão crua, é frequentemente má porque exige momentos de inspiração quase divina ao intérprete. Talvez seja esse o meu problema com o fado. Contam-se pelos dedos das mãos (literalmente) os fados de que gosto. Mas esses de facto enchem-me as medidas.

Ó desventura, ó saudade,
Causas da minha inconstância

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