Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Zanadu!

Crónicas de Timbuktu, Trevim e Lisboa (nos melhores dias)

Zanadu!

Crónicas de Timbuktu, Trevim e Lisboa (nos melhores dias)

Acerca de Lisboa

por Tiago, em 29.12.14

Lisboa. A única cidade que escolhi na minha vida. Por tudo e por nada mas se calhar, e em especial, pelo fascínio de ser a Capital. Anos passados e chego à conclusão de que, para o bem e para o mal, é a única verdadeira cidade que existe neste país; todas as outras empalidecem por comparação. Por maiores que sejam, por mais estradas que as atravessem, por mais almas que lá vivam, não têm o brilho e o encanto de Lisboa. E não podiam; em Lisboa sente-se a história em cada passo. A história da cidade, a história do país, mas sempre uma história absolutamente próxima de nós e que se cola à pele: imaginam-se facilmente os tanques corajosos de Salgueiro Maia no Carmo ou as caravelas a saírem esperançosas do Cais das Colunas. Em Lisboa nada é estranho, tudo é parte de uma cidade multicultural e tolerante como poucas; não é casa de ninguém mas paradoxalmente todos acabam por se sentir em casa. Lisboa é o Tejo, quase sempre escondido pelos prédios e pela azáfama diária, mas sempre presente a quem o quiser procurar. Lisboa não tem qualquer encanto na hora da despedida; pelo menos na hora de uma despedida amarga e indelevelmente  marcada por uma sensação de falhanço inevitável.

 

Acerca do ano literário

por Tiago, em 27.12.14

Começou com uma reflexão sobre política internacional através de "Da China" de Henry Kissinger. Uma história das relações políticas do Império do Meio com o mundo exterior dando um ênfase óbvio às relações sino-americanas, em especial ao período em que Kissinger fez parte do executivo e conduziu as negociações para abertura da China comunista ao mundo. Um livro fascinante que me chamou a atenção para personagens históricas como Zhou Enlai, Mao ou o próprio Kissinger. Assim, "Da China" deu o mote para outras leituras deste ano que agora acaba, entre as quais destaco a biografia de Zhou Enlai, "The Last Perfect Revolutionary". Foi o livro de que mais gostei este ano pelo retrato exaustivo de um homem que apesar de aprisionado muitas vezes  nas contradições entre os seus princípios e as suas funções, lutou sempre por um caminho mais sensato e com uma visão mais abrangente e moderna do lugar da China no mundo. Um homem que viveu à sombra de Mao, assombrando o grande líder até ao fim dos seus dias.

O tema China atravessou de forma transversal todo o ano com outros livros como "As atribulações de um chinês na China" de Júlio Verne, "China as I see it" de Pearl S. Buck ou "O Mandarim" do nosso Eça de Queiroz. No conjunto, todos estes livros espicaçaram a minha curiosidade pelo Oriente e, acima de tudo, deram-me algumas pistas sobre a forma de ver a Vida na China e como isso explica tantos conflitos latentes entre Oriente e Ocidente. No entanto, nem só de China se fizeram as viagens deste ano, também fui a outros sítios: explorei a Antártida com Shackleton, visitei o Chile de Pinochet através das aventuras de Miguel Littín narradas por Gabriel Garcia Marquez, fui à Coreia do Norte contemporânea com José Luís Peixoto e fiz uma cruzada pela Europa e pela Terra Santa através das palavras ácidas e acintosas de Mark Twain.

Na categoria que eu defino como os romances mais tradicionais, e porque os clássicos são sempre actuais, aprofundei um favorito de sempre, John Steinbeck, em contos curtos como "A Pérola" ou em novelas como "O Inverno do Nosso Descontentamento"; procurei o humor corrosivo de Philip Roth e encontrei-o num belo livro sobre o matrimónio de comunistas e outros aspectos quotidianos da era McCarthy; peguei o touro pelos cornos no que a Hemingway diz respeito com "Adeus às Armas" e "Por Quem os Sinos Dobram", ficando finalmente rendido ao estilo aparentemente simples de Hemingway que tanto me tinha desapontado em "The Garden Of Eden". Falando em clássicos, é impossível deixar de mencionar que li finalmente um dos maiores, "Anna Karenina" e somei também mais algumas aventuras de Poirot.

No capítulo sempre fértil das desilusões destaco a minha primeira abordagem a Selma Lagerlöf com "A Lenda de Gösta Berling", uma história e um imaginário que não me cativaram, num livro escrito num estilo que não apreciei sobremaneira. Menção honrosa também para Faulkner: depois de ter lido "A Luz em Agosto", romance de que não gostei, tentei agora uma versão mais curta, na novela "O Homem e o Rio"; porém o estilo complexo na construção das frases tende a perder-me nos raciocínios do autor o que é pena porque os temas abordados são muito interessantes. Ainda não desisti, conto ler "O Som e a Fúria" e, com mais maturidade, talvez consiga finalmente apreciar um autor que me parece estar num elevado nível técnico e literário mas que teima em não me cativar.

E porque a forma também é importante, 2014 foi o ano em que li finalmente em formato digital. Conclusão: tá giro e é engraçado mas o papel vai continuar a dominar as minhas leituras; não fossem os constrangimentos  económicos e nem sequer os ebooks seriam uma opção. Nada consegue reproduzir a sensação de ter um objecto físico arrumado numa prateleira de uma qualquer estante. As minhas aventuras digitais foram quase exclusivamente direccionadas a Eça de Queiroz começando pelo já citado "Mandarim", os "Contos", "A Relíquia" e "A Cidade e as Serras". De "A Relíquia" guardarei para sempre uma genial primeira parte e a certeza de que nem que El Rei me convide para um chá no Paço eu vou deixar de ler Eça. Mais do que as descrições por vezes até fastidiosas, é o humor o ponto alto dos seus livros. E não é humor oco, é humor inteligente, material de reflexão: as desventuras relatadas na "Civilização", expandidas em "A Cidade e as Serras" fizeram-me pensar qual o lugar certo para um rapaz da aldeia que estudou na cidade e agora tem um mundo de escolhas pela frente. Apesar destes pensamentos mais ou menos profundos, não posso deixar de sorrir com a encantadora ironia que é ler "A Cidade e as Serras" num tablet. O que diria Eça destas modernices?

Veremos o que 2015 reserva sendo que é certo que começará com a "Diplomacia" de Kissinger e "O Valente Soldado Chveik" de Hasek. Depois, espero voltar a Pynchon antes da estreia de "Vício Inerente" (o novo filme de Paul Thomas Anderson), Pearl Buck, Steinbeck, Saramago, Garcia Marquez, Gore Vidal e Vargas Llosa. Espero ainda estrear-me na obra de Agustina Bessa-Luís, Camilo, Conrad, Cervantes e quiçá Machado de Assis de quem tenho visto algumas referências interessantes. Ao trabalho portanto!

Acerca das viagens de Twain: Tânger

por Tiago, em 24.12.14

Aproveitando uma escala em Gibraltar, Mark Twain e alguns Peregrinos aproveitaram para uma breve visita à segunda cidade mais antiga do mundo, Tânger. Uma cidade onde coabitam diferentes credos e estratos sociais o que leva a uma situação curiosa, notando Twain que há três domingos por semana. O dos muçulmanos é à sexta-feira, o dos judeus ao sábado e o dos cônsules cristãos ao domingo.

Menos impressionantes são as lojas de Tânger cujas dimensões médias (...) são semelhantes ao espaço de um chuveiro numa terra civilizada. Enfim, nem tudo pode ser um pôr-do-Sol mágico nas praias paradísiacas do Mediterrâneo.

 

Acerca das viagens de Twain: Açores

por Tiago, em 17.12.14

A ilha que se avistava era a das Flores. Não parecia muito mais do que um monte de lama despontando da névoa baça do mar. (...) Tinha escarpas íngremes e abruptas (...) os cimos rochosos pareciam desenhar fortalezas e castelos.

 

Assim, guinámos em direcção à ilha mais próxima do arquipélago, o Faial (...) A cidade [da Horta] as suas casas branquinhas como neve aninham-se muito aconchegadas no meio de um mar de vegetação verde (...) cada campo e cada hectare apresenta-se recortado em pequenas quadrículas cercadas por muros de pedra.

 

Navegámos ao longo da costa da Ilha do Pico, sob uma majestosa pirâmide de verde que se erguia de um pulo escorreito desde o solo que pisámos até uma altura de 7613 pés, e cujo cume se elevava acima das nuvens brancas como uma ilha à deriva no nevoeiro.

 

Em contraste com as descrições idílicas das ilhas dos Açores, Twain não parece ter ficado especialmente encantado com os barqueiros portugueses que descreve como trigueiros, barulhentos, mentirosos nem com a população açoriana pobre, apática, modorrenta e preguiçosa. Mas para lá destes preconceitos e estereótipos, achei caricata a forma como Mark Twain intui a relação de Portugal com a Igreja: Os bons católicos dos portugueses (...) pediram a Deus que os guardasse do desejo herético de quererem saber mais do que os seus pais.

Acerca de música da linha de Cascais

por Tiago, em 13.12.14

Trata-se com certeza de estupidez mas para mim os The Kooks são uma versão beta dos Kaiser Chiefs; não no sentido informático do termo "beta" mas no sentido em que se fossem portugueses, os The Kooks bem que podiam ser originários desse lugar de lendas que é a linha. Parvoíces à parte, Sway é uma óptima música.

 

Acerca da frescura do politicamente incorrecto

por Tiago, em 11.12.14

Na era do politicamente correcto, onde já é possível ofender pessoas dizendo apenas que se apreciam bifes do lombo, é muito refrescante ler "A Viagem dos Inocentes" de Mark Twain. É o relato da sua viagem de barco pela bacia do Mediterrâneo incluindo passagens por França, Itália, Grécia e Turquia, por exemplo. O homem encarna um turista sobranceiro que olha com altivez e algum desprezo para os costumes estrangeiros embora esse olhar crítico acabe muitas vezes por se redireccionar para a cultura anglófona que representa. Outro aspecto que é especialmente interessante no livro consiste na vivacidade das suas descrições: em algumas passagens consigo imaginar o autor sentado a uma secretária, relembrando-se dos pormenores da viagem e irritando-se a posteriori com as desventuras sofridas. Essa capacidade de transmitir para as páginas de um livro o estado de espírito durante o momento da escrita é rara e realmente divertida. Ou então não é nada disto, estou só a armar-me em crítico literário e o Mark Twain queria apenas gozar um pouco os seus leitores. Seja como for, vale imenso a pena ler.

Já agora um acrescento: é o primeiro título que leio da colecção de viagens da Tinta da China mas tenho uma grande curiosidade sobre outros livros deste conjunto, em especial "Na Síria" da Agatha Christie. Apreciei bastante as aventuras do Poirot em países árabes como o Egipto ("Morte no Nilo") ou o Iraque ("Crime na Mesopotâmia") e por isso tenho as expectativas bastante elevadas para esse livro em particular.

 

Acerca das linhas do K2

por Tiago, em 04.12.14

A exploração de terrenos desconhecidos já parece impossível no Mundo actual; ainda assim, é interessante verificar que ainda nos anos 50 se organizavam expedições para conquistar cumes ainda inalcançáveis dos Himalaias. Tal como me fascina a travessia antárctica de Shackleton (da qual falei aqui no blog há algum tempo) também fico maravilhado com as aventuras que constituíram as conquistas dos picos de 8000m. Um em particular chamou-me a atenção pela brutalidade dos relatos: o K2 também conhecido como Savage Mountain.

 

Situado na fronteira entre a China e o Paquistão, é a segunda montanha mais alta do Mundo com uns modestos 8611m de altitude ou, em números mais práticos, quatro serras da Estrela empilhadas com dois Empire State Buildings por cima. Apesar de ser mais baixo que o Evereste, a subida é mais difícil quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista das condições meteorológicas tipicamente encontradas, agravadas pelo facto de ser uma montanha bastante exposta aos elementos. É a segunda montanha mais mortífera do Mundo (atrás apenas do Annapurna); 1 em cada 4 morrem a tentar alcançar o cume. Nunca foi subida durante o Inverno ao contrário da maior parte dos grandes picos dos Himalaias.

O cume foi conquistado em 1954 por uma dupla italiana, Achille Compagnoni e Lino Lacedelli. Depois de uma breve paragem no cume, Lacedelli teve que ameaçar Compagnoni com um machado de neve para o obrigar a descer; a ideia de Compagnoni era ficar lá em cima a descansar. Esta história traduz o efeito brutal da altitude na capacidade de discernimento, mesmo nos alpinistas mais experimentados e aclimatizados: o tempo passado na Zona da Morte (acima dos 8000m), com ar extremamente rarefeito, prejudica a oxigenação do cérebro o que resulta em quebras graves nas capacidades analíticas, percepção do risco e estados de apatia que são absolutamente mortais naquelas altitudes. Antes desta expedição vitoriosa, outras existiram que abriram vias e criaram as condições para este sucesso: recomendo o documentário da BBC "The Ghosts Of K2" sobre as tentativas falhadas das expedições de Fritz Wiessner (ficou apenas a 200m do cume!) e Charles Houston.

 (Compagnoni no topo do K2, provavelmente a pensar em dormir ali uma sesta, até ser ameaçado pelo seu companheiro de escalada)

 

A rota standard e mais acessível para o cume é a chamada Abruzzi Spur (pelo sul da montanha) cujo nome homenageia o princípe italiano que a tentou usar no início do século XX; chegado a cerca de 6250m de altitude, voltou para trás declarando que o K2 nunca seria conquistado. Os principais obstáculos desta via são a House's Chimney (uma garganta constituída por uma parede vertical de rocha, exposta a ventos) e a Black Pyramid (segmento mais técnico da subida com escalada em rocha e gelo misturada com paredes quase verticais). Hoje em dia, ambas as zonas possuem cordas fixas que facilitam a ascensão e o rappel na descida.

 (House Chimney um dos troços mais críticos do K2)

 

Como nestas coisas há sempre um gajo ainda mais maluco e que acha que ainda é possível ir mais longe, foram feitas subidas por algumas outras vias ou variantes. Uma destas vias mais extremas é a chamada Polish Line, subida uma única vez por uma dupla de alpinistas polacos. Apenas um deles chegou vivo ao campo base sendo que o outro morreu na descida. Ninguém voltou a tentar repetir esta via. Reinhold Messner, a quem muitos atribuem o título de melhor alpinista de sempre, chamou a esta rota "suicida" pelo facto de ser muito propícia a avalanches e por ser extremamente exposta e perigosa.

 (Ascenção da Black Pyramid nos tempos modernos)

 

Chegado lá acima, aposto que se saboreia o momento. Deve ser um sabor agridoce quando pensam no que há para descer.

Mais sobre mim

foto do autor

Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D

Links

Blogs