Acerca de Orgulho e Preconceito
Este post não poderia deixar de começar com um merecido louvor à belíssima livraria que pontifica na esquina da Calçada da Estrela com a rua da Bela Vista à Lapa. Nem sei bem o nome daquilo mas uma breve visita no intervalo de almoço foi o suficiente para lhe reconhecer o potencial de fazer mossa na minha carteira com as inúmeras edições a preço acessível e em capa dura, de folhas suavemente envelhecidas, de inúmeros clássicos dos quais saltaram à vista os Dostoievskis, Tolstois, os Gorkis mas também outros autores que ainda não tinha explorado como a Charlotte Brontë ou a Jane Austen.
Nesta visita trouxe, meio a contragosto, o "Orgulho e Preconceito" por uns muito competitivos 7€. E é precisamente pelo preconceito que se explica o facto de ter chega à provecta idade de 24 anos sem ler nada da sra. Austen. Com efeito, aquela Inglaterra vitoriana dos bailes, vestidos de folhos, o interior rural e bucólico, amores, desamores e pessoas com penteados esquisitos sempre me inspirou, logo à partida, o mais profundo tédio.
Numa primeira impressão, achei o livro bastante divertido o que vai muito contra o meu preconceito inicial: a fina ironia e crítica social de Austen faz-me lembrar um pouco a escrita do nosso Eça de Queirós, talvez num estilo mais subtil. O sr. Collins podia ser uma personagem de um qualquer romance do Eça espelhando a obsessão típica com a ascensão social e a possibilidade de subir na hierarquia, nem que para isso se tenha de prestar uma vassalagem ridícula e humilhante a personagens no mínimo desagradáveis como Lady Catherine, uma austera representante da nobreza de nariz empinado.
Tal era a minha ignorância acerca do livro que no início até me parecia que a protagonista seria Jane, a inocente irmã de Elizabeth e aí já estava a ver a coisa a descambar em tragédia de faca e alguidar. Receio infundado visto que depressa de percebe que é a encantadora Elizabeth a personagem principal em torno da qual se desenrola toda uma história de encontros e desencontros das irmãs Bennet com os seus potenciais pretendentes. É redutor reduzir o livro a um conjunto de romances visto que são abordados de uma forma contudente outros temas para além do casamento, com destaque para o dinheiro e as hierarquias sociais.
A personagem de Elizabeth é particularmente interessante quando consideramos que o livro foi escrito no início do século XIX; embora não seja aquilo a que se poderia chamar uma mulher independente e emancipada, Elizabeth não deixa ainda assim que sejam as convenções sociais a ditar a sua acção, sobrepondo a sua inteligência, perspicácia e determinação à conveniência de encontrar um marido e um casamento economicamente vantajoso.
Uma mulher em termos esta Elizabeth e, provavelmente, muito avançada para a época em que "viveu".